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Na terra dos mitos
Enquanto caminho por entre as majestosas paisagens escocesas, sou acolhido pela magia que permeia esta terra. Sob o céu nublado, as colinas verdes estendem-se até onde a vista alcança. À medida que avanço pelo caminho sinuoso, criaturas do imaginário natural da Escócia começam a aparecer ao meu lado. Os espíritos das árvores sussurram segredos antigos enquanto as fadas travessas voam ao meu redor deixando rastos de brilho dourado no ar fresco da montanha. Monstros lendários deixam as águas profundas e escuras repletas de mistérios. A cada passo, a Escócia revela mais o seu mundo mágico e selvagem, uma terra onde o real e o imaginário se entrelaçam em perfeita harmonia.…
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O farol de Popper
No cenário idílico de Muxía, erguem-se dois pilares de significado e espiritualidade: o Farol e a Igreja. Neste local sagrado e majestoso, onde elementos naturais e construções humanas se entrelaçam, chega uma peregrina solitária. À sombra da grandiosa igreja e, cansada pelo longo caminho percorrido, tira a mochila dos ombros e encontra um lugar isolado próximo ao farol. O seu semblante revela uma mescla de exaustão e determinação, uma jornada espiritual que a trouxe a este local. Senta-se em meditação à procura não apenas de descanso para o corpo, mas também um momento de introspecção e conexão com algo maior.O farol, com a sua luz intermitente que corta o céu…
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A textura de um mito
Assim que chego ao Cabo Finisterra, os meus sentidos são envolvidos por um véu de perplexidade e reverência. A imponência da paisagem é como um quadro que escapa das bordas da tela, onde o céu e o mar se encontram num abraço interminável, dissolvendo as fronteiras entre o visível e o etéreo. Aponto a objetiva e sei exatamente o que estou a registar mas tenho perante mim uma imagem difícil de digerir. A força mitológica do espaço confronta os limites da minha racionalidade. A história deste local ecoa nas brisas salgadas que varrem a costa, sussurrando antigas epopeias e lendas perdidas no vento. Em cada uma sentem-se os segredos de…
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O muro e a roda da fortuna
Há uns dias, um amigo, dado a esta coisa das conexões e redes políticas, numa das suas breves demonstrações de retórica diz: – A função de um político é deixar as coisas melhor do que as encontrou.Dispensando outro tipo de comentários, pedi-lhe um boletim de voto por tamanha honra a minha conhecer tal figura. Sabendo eu que não guarda esse tipo de inocência em si, estaria certamente a sofrer as consequências da rodela de limão que colocou num copo meio vazio de gin. Nem a propósito, no dia seguinte, numa das minhas caminhadas em fim de tarde, encontro o senhor António.Habitante numa rua tranquila, no coração e centro histórico da…
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A liberdade diante do absurdo
“- Perguntei ao meu irmão se as mulheres ainda cantavam lá na fábrica.– Não! – disse ele – Lá têm tempo para isso…” Assim se desenrola mais uma conversa com uma colega que dedica grande parte do seu tempo a lutar pela liberdade e a formar gerações nos ideais do respeito e da dignidade. Recorda com nostalgia as vivências de juventude na fábrica do pai, um self-made man que subiu a pulso e cuja geração seguinte teve que fazer a necessária transição para um trabalho em cadeia que tirou a melodia das bocas dos trabalhadores e a substituiu por gestos ritmados e mecanizados. Segue-se uma reflexão sobre como os humanos…
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O guardião
A primeira vez que tive consciência de ti eras novinho em folha, acabado de nascer, cheio de brilho e promessas. De paredes imaculadas que refletiam a luz do sol de forma radiante. À medida que o tempo passava, vivenciaste contextos e experiências. A cada novo conteúdo deixavas um pouco de ti mesmo e absorvias nuances e histórias. Conforme os anos avançavam, as paredes desgastavam-se e as marcas de uso tornavam-se evidentes. Ficaste envelhecido e marcado pela passagem do tempo. Permanecendo sempre neste local, foste testemunha do crescimento ao teu redor. Viste pequenas plantas brotarem e crescerem ao sol, com as suas folhas verdes a estenderem-se na busca da luz. Os…
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Liderança numa alcateia de cartel
Não sendo a estrutura social mais complexa, a alcateia obedece a uma hierarquia que se define pela escolha do membro que mostra mais força e capacidade de liderança. O status e o poder que são reconhecidos ao líder podem ser desafiados por outros que se achem mais capazes de manter a ordem e a coesão dentro do grupo. Estas disputas para determinar quem são os líderes acabam por ser comuns um pouco por todo o reino animal e são a garantia de que apenas os mais fortes, hábeis e assertivos conduzem os destinos dos restantes. Os lobos que não consideram ter a capacidade para estas lutas de poder, aceitam submeter-se…
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Uma abelha honesta e poupada a assombrar o capitalismo
No crepúsculo de mais um dia, enquanto procuro o melhor enquadramento para um Buda corpulento que afortunadamente me saiu numa rifa, sou interrompido pelo som ensurdecedor de um enxame de atarefadas abelhas que, aproveitando os últimos raios de sol, estabelecem uma relação mutualista com uma das tangerineiras do quintal. Estão numa espécie de banquete onde todos ganham no fim de tamanha agitação. Talvez inspirado pelo meu volumoso amigo que medita há alguns meses num dos cantos do jardim, e observando que algumas abelhas se moviam livremente com um diferente grau de envolvimento na relação com a árvore, notei que ali estavam presentes as teorias de dois autores que tentam explicar…
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Os prisioneiros da sociedade líquida
A partir da segunda metade do século XX assiste-se, segundo Bauman, sociólogo que contrapõe a sociedade sólida industrial à sociedade líquida do pós-modernismo, a uma transformação económica onde, numa sociedade individualista e de consumo, empresas e indivíduos têm poucas garantias de estabilidade e segurança financeira. Creio que uma das consequências deste tipo de economia seja o encurtar do ciclo das crises naturais do capitalismo proposto por Nikolai Kondratieff bem como o acentuar das fragilidades dos laços sociais onde os indivíduos ficam cada vez mais isolados em redes de solidariedade frágeis ou inoperacionais. Este individualismo marcado pela constante busca de satisfação pessoal leva à fragmentação social, à superficialidade nas relações e…
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A desunião faz a força
No sentido de nos dar uma visão ambivalente do conceito de liberdade, o sociólogo polaco Zygmunt Bauman na sua obra “Modernidade Líquida” cita o alemão Lion Feuchtwanger que, na narrativa “Ulisses e os porcos”, nos descreve que os marinheiros aprisionados por Circe não terão ficado satisfeitos por terem sido libertados por Ulisses já que estariam confortáveis com a condição em que se encontravam. O autor alemão dá a entender que a liberdade traz consigo um conjunto de responsabilidades e de consequências que os companheiros de Ulisses não estariam dispostos a correr nas aventuras a que este os submetia. Bauman coloca-nos a dúvida se a liberdade é uma benção ou uma…























