Dilemas

Uma abelha honesta e poupada a assombrar o capitalismo

No crepúsculo de mais um dia, enquanto procuro o melhor enquadramento para um Buda corpulento que afortunadamente me saiu numa rifa, sou interrompido pelo som ensurdecedor de um enxame de atarefadas abelhas que, aproveitando os últimos raios de sol, estabelecem uma relação mutualista com uma das tangerineiras do quintal. Estão numa espécie de banquete onde todos ganham no fim de tamanha agitação.


Talvez inspirado pelo meu volumoso amigo que medita há alguns meses num dos cantos do jardim, e observando que algumas abelhas se moviam livremente com um diferente grau de envolvimento na relação com a árvore, notei que ali estavam presentes as teorias de dois autores que tentam explicar a melhor forma de se conduzir economicamente uma sociedade.

A fábula escrita no século XVIII por Bernard Mandeville apresenta-nos a ideia de que o vício, a procura de prazer, de satisfação e a ganância individual são necessários para a prosperidade da sociedade capitalista e foi mais tarde desenvolvida por outros notáveis. Mandeville considerava que é necessário sermos livres para desenvolvermos os nossos vícios e que cabe aos governantes assegurar essa espécie de sociedade. Como que se para termos uma sociedade liberal tivéssemos que passar primeiramente por uma sociedade libertina. Capitalismo e vício andam de mãos dadas na fábula do autor segundo a qual quando nos vestimos de moral, virtude e honestidade destruímos a dinâmica económica. As abelhas do meu jardim, sem vícios e virtuosas, “voariam para uma colmeia vazia, abençoadas com satisfação e honestidade”.

O diferente grau de agitação com que as abelhas se movem em volta da minha tangerineira pode ser também um problema para a sociedade capitalista onde, segundo o paradoxo da poupança de keynes, apenas a ação concertada do grupo pode trazer benefícios comuns, uma espécie de adaptação do dilema do prisioneiro ao campo económico. Quando uma das abelhas decide abrandar ou voar em sentido contrário, porque considera que para si é mais benéfico, acaba por trazer o desiquilíbrio à colmeia e causar também em si, posteriormente, uma desgraça maior.

Esta ideia de que temos que caminhar guiados pelo vício e de acordo com o pensamento e as ações das massas quase que me dá vontade de cortar a tangerineira. Mas faz-me falta, dá-me sombra. Aquela sombra da liberdade que apenas se consegue conquistar em grupo.

Deixo as meditações para o meu amigo de barro e volto a desfrutar do pouco que me resta da hora mágica…

Fotografia e texto: Sérgio Moreira