Mitos

Na terra dos mitos

Enquanto caminho por entre as majestosas paisagens escocesas, sou acolhido pela magia que permeia esta terra. Sob o céu nublado, as colinas verdes estendem-se até onde a vista alcança. À medida que avanço pelo caminho sinuoso, criaturas do imaginário natural da Escócia começam a aparecer ao meu lado.

Os espíritos das árvores sussurram segredos antigos enquanto as fadas travessas voam ao meu redor deixando rastos de brilho dourado no ar fresco da montanha. Monstros lendários deixam as águas profundas e escuras repletas de mistérios.

A cada passo, a Escócia revela mais o seu mundo mágico e selvagem, uma terra onde o real e o imaginário se entrelaçam em perfeita harmonia.

No meu papel de caminhante, torno-me um protagonista neste palco mítico, tecendo a minha narrativa pessoal na teia de mitos que envolvem a vida, a morte e a natureza. Cada passo que dou é uma expressão da minha busca por compreender e integrar essas narrativas mitológicas que fazem parte da noosfera escocesa.

O conceito de “noosfera” de Edgar Morin é uma ideia que tem origem na palavra grega “nous,” que significa “mente” ou “consciência”. Morin desenvolveu essa noção para descrever uma esfera de conhecimento e consciência coletiva que envolve a Terra. É uma extensão do conceito de biosfera, que se refere à camada da vida na Terra, mas que vai além, englobando não apenas a vida biológica, mas também a vida mental e cultural da humanidade.

A noosfera representa a rede global de informações, conhecimentos, ideias, culturas e consciências compartilhadas por todos os seres humanos. É a esfera da mente coletiva da humanidade, onde o pensamento, a criatividade, a comunicação e o conhecimento são disseminados e interconectados. Morin acreditava que, assim como a biosfera desempenha um papel vital na sustentação da vida na Terra, a noosfera desempenha um papel fundamental na evolução da sociedade humana e na compreensão do mundo.

Nas palavras do autor: “Devemos estar bem conscientes de que, desde o alvorecer da humanidade, encontra-se a noção de noosfera — a esfera das coisas do espírito —, com o surgimento dos mitos, dos deuses e o extraordinário levante dos seres espirituais, impulsionou e arrastou o Homo sapiens a delírios, massacres, crueldades, adorações, êxtases e sublimidades desconhecidas no mundo animal.
Desde então, vivemos numa selva de mitos que enriquecem as culturas.”

E que selva esta onde me encontro. A Escócia, com as suas vastas paisagens de colinas, lagos e castelos imponentes, é frequentemente vista como a “terra dos mitos”. Essa reputação é fundamentada numa rica tradição de narrativas folclóricas, lendas e histórias que habitam a sua cultura. Um exemplo notável é o mito do Monstro do Lago Ness, que capturou a imaginação global e simboliza a misteriosa natureza das águas escocesas. Da mesma forma, as colinas e vales estão repletos de histórias de fadas, trolls e criaturas míticas que habitam as Highlands. Até a própria formação da identidade nacional escocesa, que originou o mito do herói nacional, William Wallace, acabou por incutir um sentimento de orgulho e resistência na sociedade. O folclore celta, por exemplo, com as suas divindades e espíritos da natureza, influenciou as crenças religiosas do país. A dualidade entre o cristianismo e as antigas tradições pagãs criou uma rica tapeçaria de mitos e rituais que continuam a moldar as práticas culturais e religiosas da Escócia.

Todos estes mitos não são apenas narrativas folclóricas, mas também componentes essenciais da noosfera escocesa, que abrange o conhecimento, a cultura e a consciência compartilhada.

Nas palavras de Morin: “as sociedades domesticam os indivíduos por meio de mitos e ideias (…).” As crenças, narrativas e conceitos compartilhados dentro de uma cultura desempenham um papel importante na formação do pensamento e do comportamento das pessoas.

Aceito as palavras do autor mas, desta vez, perante tamanha grandeza natural e mitológica, deixo que a minha noosfera inclua monstros, fadas, trolls e, com todos eles, continuo a minha caminhada.

Fotografia e texto: Sérgio Moreira