Paradoxo

O guardião

A primeira vez que tive consciência de ti eras novinho em folha, acabado de nascer, cheio de brilho e promessas. De paredes imaculadas que refletiam a luz do sol de forma radiante.

À medida que o tempo passava, vivenciaste contextos e experiências. A cada novo conteúdo deixavas um pouco de ti mesmo e absorvias nuances e histórias.

Conforme os anos avançavam, as paredes desgastavam-se e as marcas de uso tornavam-se evidentes. Ficaste envelhecido e marcado pela passagem do tempo.

Permanecendo sempre neste local, foste testemunha do crescimento ao teu redor. Viste pequenas plantas brotarem e crescerem ao sol, com as suas folhas verdes a estenderem-se na busca da luz. Os pássaros, com as suas melodias alegres, visitavam as árvores próximas e construíam os seus ninhos, trazendo vida e movimento.

Enquanto o mundo à tua volta se transformava e evoluía, tu, envelhecido, testemunhavas em silêncio. Cada estação trazia as suas próprias mudanças, desde o florescer colorido da primavera até o outono, quando as folhas caiam suavemente ao chão. O ciclo da vida desdobrava-se diante dos teus olhos, enchendo-te de uma profunda sensação de gratidão e reverência.

Embora tu tenhas envelhecido, a tua função permanecia a mesma. Enquanto as plantas cresciam ao teu redor, tu ainda eras um guardião, um suporte para a vida que se desenrolava. As marcas de uso na tua superfície contavam a história de tudo o que já transportaste e cada ruga na tua estrutura contava uma história única.

E talvez como o navio do rei Teseu em final de ciclo, não te questionavas se ainda eras a estrela das manhãs pois sabias que eras a soma de tudo, encontraste significado no simples ato de existir e testemunhar a vida a desdobrar-se ao teu redor. Mesmo enquanto te tornavas parte da paisagem, sabias que a tua jornada estava intrinsecamente ligada à de todas as criaturas e plantas que compartilhavam esse teu espaço.

Fotografia e texto: Sérgio Moreira