Último dia
Finalmente sessenta e cinco anos. Nogueira sonhou toda a vida com o dia do seu sexagésimo quinto aniversário, finalmente poderia ir gozar a merecida reforma. Cinquenta anos de trabalho, sempre a serralheiro, sempre a lidar com soldas e limalhas, conhecia a rebarbadeira e a máquina de soldar como ninguém. Eram as suas meninas, porém queria descanso e também dar-lhes descanso, estava farto de trabalhar. Foram muitos anos a fazer portões. Agora podia finalmente pensar em si, estava feliz era o último dia de trabalho, ou seja, que ia à fábrica deixar a bata e a chave do cacifo.
Nogueira sentia-se aliviado. Sentia que tinha cumprido a sua obrigação e agora, ainda com saúde e em plena forma física, ia dedicar-se a cem por cento à sua Zulmira, aos seus netos, ao seu quintal, ao seu jardim e podia ir ao Café jogar às cartas. Sabia que na fábrica lhe deveriam estar a preparar uma surpresa. Foram muitos anos de convívio, ainda por cima era o seu aniversário.
Entrou na fábrica e tudo estava normal. Dirigiu-se ao encarregado e disse-lhe que era o último dia que já tinha acertado tudo com o empregado do escritório. Ele mandou-o esperar.
Enquanto esperava ia olhando para os colegas de trabalho, grande parte deles havia-lhes ensinado a arte. Sentia-se orgulhoso, deixava um bom legado, sabia que o recordariam para sempre. Passou meia hora e chegou o senhor Monteiro. Foi com ele ao escritório, o homem assinou uns papéis para a reforma.
– Pronto Nogueira… felicidades. Deixas a chave do cacifo ao Manel e até à próxima. – Disse o patrão.
Apertou-lhe a mão e acompanhou-o à porta. Nogueira não esperava outra coisa do patrão. Toda a vida foi um ordinário que só se preocupava apenas com dinheiro. Desceu as escadas e dirigiu-se ao encarregado.
– Pronto Manel, chegou o meu dia! Toma lá isto.
O encarregado pegou na chave do cacifo e na bata. Olhou para Nogueira.
– Posso ir dizer adeus à rapaziada?
– Podes Nogueira mas vê lá… não os demores que está aí o patrão!
Nogueira sabia que era uma farsa do Manel, que iria ser recebido com uma pequena festa. Entrou na serralharia e todos disfarçavam estar a trabalhar normalmente. Reparou que o seu posto de trabalho tinha sido ocupado pelo Norberto.
– Pronto malta vou-me embora prá reforma! Fiquem bem e se precisarem de alguma coisa sabem onde me encontrar. – Disse Nogueira com as lágrimas nos olhos.
Os cerca de dez homens que ali se encontravam ali acenaram-lhe com a cabeça. Nogueira ficou atónito. Não esperava aquilo, foi uma vida dedicada àqueles homens. Dirigiu-se para a porta da serralharia ainda com a esperança que viessem ao seu encontro. Atravessou a serralharia e nada. Saiu o portão principal da fábrica e nada. Já um pouco distante olhou para trás e reparou que ninguém o seguia. Sentiu-se muito triste, de certa forma humilhado…
– Palhaços de merda! Tudo o que fiz por estes palhaços e agora é assim! Até o Norberto que se fazia tão amigo… até dinheiro lhe emprestei! Filhos da puta.
Chegou a casa era já quase hora e almoço. Almoçou e foi deitar-se um pouco. Acordou a meio da tarde e Zulmira pediu-lhe para ir buscar os netos à escola. Ele foi.
Deixou os netos em casa com a avó e foi um pouco para o quintal. Chegou a hora o jantar.
Jantou e, como sempre, saiu para ir tomar uma bica. Andou amargurado o dia todo amargurado com a falta de reconhecimento daquele bando de ordinários. Entrou no Café…
– Surpresa!
Estavam lá todos os ordinários com um bolo a cantar-lhe os parabéns.
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Imagem: Sérgio Moreira
Texto: Adão Baptista