A tenda – apresentação do projeto
No início do século XX, Trindade Coelho, na sua obra “Manual político do cidadão portuguez”, citava Cícero – uni bene, ibi patria – no sentido de argumentar que apenas os nómadas se podiam sentir em casa em qualquer terra que os tratasse bem. Segundo o autor, quem ama a sua pátria não nutre este tipo de sentimento.
Um século depois, o conceito de cidadão mantém-se pouco alterado mas já o de nomadismo tomou outro sentido num mundo global e uniformizado com um mercado laboral aberto como o de hoje. Esta globalização, apoiada por um conjunto de meios tecnológicos, potencia o desenraizamento dos cidadãos e pode levar a uma falta de compromisso cívico e político, uma vez que o cidadão pode não se sentir ligado a uma comunidade específica ou ao Estado. As relações entre a pátria e os seus cidadãos alteram-se nesta conjuntura. A lei da oferta e da procura está viva neste sistema onde os Estados competem abertamente por mão de obra qualificada e especializada.
Num mundo globalizado, a mão de obra especializada pode-se tornar um recurso valioso e estratégico para a economia de um país. Hoje, receber estes trabalhadores sem assumir o custo da sua formação é uma estratégia ao alcance de qualquer sistema político. O papel do Estado é crucial para promover mas também fixar essa mão de obra especializada.
Uma das formas de promover a formação é investir em educação de qualidade, que prepare os indivíduos com as habilidades e competências necessárias para atuar em áreas especializadas. Pode também, como já foi referido, promover políticas de imigração que facilitem a entrada de trabalhadores especializados de outros países, a fim de complementar as competências e habilidades já existentes.
Para fixar essa mão de obra especializada, o Estado pode optar por oferecer incentivos económicos e fiscais para empresas que contratam e retêm operários especializados, bem como oferecer serviços públicos de qualidade que atendam às necessidades desses trabalhadores. Além disso, o Estado também pode criar políticas que promovam a inovação e o empreendedorismo, incentivando a criação de empresas que possam aproveitar a mão de obra especializada existente no país.
Entre as coisas que o Estado deve fazer e o estado das coisas, está uma tenda. Este objeto que tantas vezes vemos como forma de protesto, surge como elemento revelador de um conjunto de expectativas defraudadas e de vidas desfeitas por um Estado incapaz de olhar para e pelos seus. A tenda conta-nos histórias de cidadãos que se unem no seu interior para desenvolverem uma luta desigual contra um Estado que coloca segmentos fundamentais da economia em pausa, para satisfazer os caprichos dos sanguessugas que habitam nos aparelhos partidários.
Um século depois da obra acima citada, e com todas as mudanças das últimas décadas, também é importante questionar se o amor que se exige à pátria é correspondido ou se temos de o encontrar numa terra qualquer que nos trate bem.

