
Então e eu?
Logo que desligou o telefone Roberto saiu do escritório a correr. Meteu-se no carro e foi ao encontro do filho. Aquela chamada poderia mesmo ter acabado com a vida do homem. Não tinha em atenção o trânsito, não via nada naquele momento, apenas uma linha reta que lhe indicava o caminho do Hospital Santa Maria. O semáforo estava vermelho mas não levou o homem a abrandar a sua marcha, pois ainda lhe faltavam uns bons dez quilómetros. Seguiu e passou.
Chegando ao local, estacionou em cima de uma passadeira. Saiu a correr e deslocou-se às informações das urgências.
– Queria saber de um rapaz que deu entrada aqui, teve um acidente e…
– O nome por favor. – disse o administrativo.
– Roberto Vieira.
– Não temos entrada de ninguém com esse nome…
– Não esse é o meu nome!
– O nome do paciente por favor.
– Filipe Vieira… é o meu filho.
– Cá está. Veio de ambulância. Aguarde um pouco que vem já alguém buscá-lo.
Roberto esperou. Passados uns vinte minutos uma auxiliar de ação médica surgiu no corredor.
– Familiar de Filipe Vieira… – Roberto correu.
– Diga-me doutora, o meu filho está bem?
– Eu não sou médica, aguarde aqui que vem já um médico falar consigo.
Roberto começava a desesperar. Na sua profissão de advogado não tinha tantos “aguarde aqui”. Cada minuto de espera parecia uma eternidade.
– É familiar de Filipe Vieira? – perguntou um jovem de bata branca com um estetoscópio pendurado ao pescoço.
– Sim sou o pai doutor… ele está bem?
– Acompanhe-me por favor.
Em passo apressado lá foi atrás do jovem médico. À medida que ia andando a sua mente criava-lhe imagens do seu filho com o rosto desfigurado, fraturas expostas… cenários medonhos.
Entrou no quarto com o coração a palpitar de forma tão acelerada que quase lhe rebentava o peito. Ficou estupefacto ao ver o filho.
– Mas…
– Ei pai está aí? Que vieste fazer? – perguntou Filipe.
– Mas… telefonaram-me da escola para o trabalho a dizer que tiveste um acidente!
– Ya… desmaiei e depois vomitei-me todo, foi um acidente! – o jovem desatou a rir. Roberto não entendia o que estava a acontecer.
– Mas foi alguma coisa que comeu na escola doutor? – perguntou o homem ao médico que se encontrava presente.
– Não me parece… – respondeu o médico com um sorriso sarcástico – Foi mais alguma coisa que bebeu e fumou! Se foi na escola, isso só ele poderá dizer! Pode levá-lo consigo que já lhe assinei a alta.
Ao ver Roberto envergonhado o médico explicou-lhe:
– Ele bebeu álcool e deve ter fumado maconha ou xamon como lhe chamam, lá exagerou e começou a ter alucinações, entrou em convulsão e começou a vomitar. Ficou desidratado e acabou por desmaiar perdendo os sentidos. Esteve a tomar soro e agora rapidamente recuperará, não se preocupe.
– Que fizeste tu Filipe Luís? – perguntou exaltado.
– Ei qual é? Acalma-te está bem… foi só uma bad trip percebes! – o jovem riu novamente.
– Mas tu és louco? Que vai pensar a tua mãe? Que vou dizer aos colegas do escritório quando souberem?
– Vês… tu só te preocupas com isso… que vão pensar… que vais dizer… E eu pai? E eu? Não queres saber porque fiz isto? Não te preocupas em saber se estou bem? Há quanto tempo não te preocupas comigo?
– Eu trabalho como um desalmado para teres tudo… – Filipe interrompeu o pai.
– O problema é esse pai! Tu trabalhas para eu ter tudo e eu não tenho nada percebes? Nada!
Quando reparou que o discurso autoritário não o levava a lado nenhum, Roberto respirou fundo, alargou o nó da gravata e sentou-se na cama onde Filipe estava deitado. Olhou o filho. Os olhos vermelhos do jovem, semi-serrados, funcionaram como que um alerta para que seu pai percebesse que algo não estava bem. Era um pedido de ajuda.
– Conta lá o que se passou.
– Não é assim! Não é chegar e dizer conta… – Filipe começou a chorar. As lágrimas que lhe escorriam pelas faces alertaram o pai, derrubaram aquela capa de senhor advogado duro que momentos antes tentava perceber o que se passava.
– É a Júlia pai… – disse o moço.
– Quem é a … desculpa continua.
– É uma moça lá da escola. Desde o ano passado que ando louco por ela, ela tem dias que me dá bola, outros dias ignora-me completamente e até me goza! Já não sei o que fazer pai! Faço-lhe os trabalhos de casa, muitas vezes dou-lhe dinheiro para ela comprar bolos e sumos no bar e mesmo assim…
– Filho não é assim que tu…
– Sabes, há mais de um ano que faço isso, sempre a paparicá-la e a fazer as cenas que ela quer. Sou eu quem vou ao Casal Ventoso buscar-lhe a droga e tudo e mesmo assim ela não gosta de mim, não me valoriza. Só me aborda quando precisa ou quando está tesa percebes, sem dinheiro. – chorou compulsivamente durante uns segundos. – Esta vida é uma merda! A mim nunca me deu um beijo na face e hoje estava lá por trás do pavilhão com um tipo aos beijos…
Roberto passou a mão na cabeça do filho afagando-lhe os cabelos.
– Calma Pipinho tudose resolve!– tentou consolá-lo.
– Achas pai?
– Claro! Essa moça vale a pena o sofrimento que tens por ela? Anda, vamos para o carro e depois vamos almoçar juntos. Hoje já não volto ao escritório. Hoje vou passear e conversar com o meu filho. Anda que o carro está mesmo na entrada.
Ao chegarem ao local onde o veículo estava estacionado, repararam que a PSP o rebocava visto estar estacionado em cima da passadeira. Ambos desataram às gargalhadas.
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Imagem: Sérgio Moreira
Texto: Adão Baptista

