A outra margem – emigração portuguesa no século XX
“Em 1969 fui de táxi até Vilar Formoso; éramos 3 mulheres e duas crianças. O taxista deixou-nos perto de um rio e disse-nos para atravessarmos para o outro lado, onde se situava Espanha. Atravessámos o rio a pé mas fomos apanhadas pela polícia espanhola. Eles queriam mandar-nos para trás e nós começamos a chorar e eles com pena deixaram-nos passar; nessa altura estava grávida. Depois apanhámos o comboio de Espanha para Paris. Nem tenho noção das horas que andámos, foram tantas, estávamos desesperadas por comer e beber, nunca mais me esqueço. Chegámos a Paris e tivemos que ir à polícia francesa para eles nos darem uma autorização para a gente circular por França; depois, mais tarde, fomos para uma aldeia a 150km de Paris.
Vivíamos num curral que um casal cedeu, pois não conseguíamos arranjar casa. Tive de pôr tijolos com palha para fazer de cama. A casa de banho era lá fora no quintal, às vezes vinham bichos e picavam-nos, não tinha teto no curral, víamos os ratos a correr no plástico. Veio lá uma assistente social e queria-nos tirar os filhos a todas, mas ela, com pena, acabou por nos arranjar um apartamento.
Eles eram racistas connosco diziam “vai-te embora cabeça de bacalhau”, “cabeça de porco”, “estão-nos a tirar o trabalho”… nem bom dia nos davam, com o ódio, mas depois havia boas pessoas.”
Fotografia: Sérgio Moreira
Texto: testemunho retirado do projeto “Memórias vivas do século XX”
A emigração portuguesa no século XX foi um fenómeno significativo que moldou a história do país. O início do século XX foi marcado pela emigração para o Brasil e os Estados Unidos, enquanto a década de 1960 testemunhou a emigração para países europeus.
A emigração para o Brasil começou no final do século XIX e continuou até a década de 1930, atraindo principalmente trabalhadores rurais. A emigração para os Estados Unidos também começou no final do século XIX, com muitos portugueses a estabelecerem-se na costa leste do país. Durante as primeiras décadas do século XX, muitos portugueses também emigraram para a Argentina e Uruguai.
O primeiro grande fluxo migratório ocorreu durante as décadas de 1950 e 1960, período conhecido como o “êxodo rural”. A maioria dos emigrantes vinha do interior do país, principalmente das regiões do Minho, Trás-os-Montes e Beira Baixa. Essa emigração foi motivada pela pobreza, falta de trabalho e más condições de vida no campo.
Esse êxodo rural começou a concentrar-se em países europeus, com muitos portugueses a emigrarem para a França, Suíça, Alemanha e Luxemburgo. A emigração para a França foi particularmente significativa, com mais de um milhão de portugueses que se estabeleceram durante as décadas de 60 e 70.
A emigração portuguesa para a França começou a ganhar força na década de 1960, quando o governo francês iniciou um programa de recrutamento de mão de obra estrangeira para suprir a falta de trabalhadores em diversos setores da economia. O acordo entre Portugal e França, assinado em 1963 (Acordo com Respeito à Migração, ao Recrutamento e à Colocação de Trabalhadores Portugueses em França, de 31 de Dezembro de 1963), facilitou a entrada de trabalhadores portugueses no país.
Os portugueses que emigraram para França trabalhavam principalmente na construção civil, na indústria têxtil e na restauração. Muitos trabalhavam em condições precárias e enfrentavam dificuldades para se integrar na sociedade francesa, devido à barreira linguística e cultural.
Hoje em dia, muitos portugueses ainda vivem em França, mas o fluxo migratório diminuiu consideravelmente nas últimas décadas. A comunidade portuguesa em França é hoje uma das maiores comunidades estrangeiras no país, com cerca de 1 milhão de pessoas.
A emigração portuguesa teve um impacto significativo no país, tanto em termos de perda de mão de obra quanto de influência cultural. A emigração também teve um impacto económico, já que muitos emigrantes enviavam dinheiro para as suas famílias em Portugal. Além disso, muitos emigrantes retornaram ao país com novas habilidades, experiências e recursos, o que contribuiu para o desenvolvimento da economia portuguesa. Os portugueses que sairam, contribuíram também para o desenvolvimento dos países para os quais emigraram.
Texto: Sérgio Moreira